quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

1968 – O ano em que o bonde parou

 Corria o dia 27 de março de 1968 quando uma movimentação pouco usual agitava a capital paulista. O então prefeito municipal dirigia-se junto a uma grande comitiva de políticos, assessores e convidados para um evento de despedida: Aconteceria a última viagem de bondes da Cidade de São Paulo.

Tão populista como qualquer outro político, Faria Lima faria da derradeira viagem de bonde um evento festivo que seria comentado e lembrado por muito tempo. Afinal, lentos, problemáticos e deficitários os bondes não deixariam – naquele momento – saudades na grande maioria da população.

A ilustração abaixo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo no dia seguinte à extinção do serviço de bondes, deixa claro que ninguém chorava pelo fim daquele modal:

Crédito: O Estado de S. Paulo

Os bondes foram planejados para serem extintos na gestão do prefeito anterior, Prestes Maia, entretanto dificuldades para a plena substituição do serviço de maneira eficaz atrasaram o projeto para o próximo mandatário.

Chegada a hora, a festividade agitou a Vila Mariana bem diante do prédio do Instituto Biológico, ponto inicial da então última linha sobrevivente de bondes da cidade, a ˝Instituto Biológico – Santo Amaro˝. Ao todo um cortejo composto de 12 bondes partiria dali até seu ponto final, com eventos previstos nas paradas do Brooklin e Piraquara, com chegada ao fim do trajeto prevista para às 20:00hs.

Crianças observam um bonde da janela de edifício na Avenida São João: Fim de uma era.

Para conduzir o bonde principal, onde o prefeito Faria Lima estaria a bordo, dois símbolos do transporte coletivo municipal: De um lado Francisco Lourenço Ferreira, o mais antigo motorneiro de São Paulo em atividade, do outro o mais jovem motorista de trólebus da cidade. Uma viagem repleta de simbolismos para justificar o fim do serviço: sai o velho, entra o novo.

Os bondes estavam todos enfeitados para a viagem final. Chegaram ao ponto do Instituto Biológico com luzes de enfeite, faixas e muitas bandeiras do Brasil em um evento que faria inveja a Odorico Paraguaçu. Ao chegar no Largo 13 de Maio em Santo Amaro o evento serviu de palanque não só para o prefeito, como também para vereadores paulistanos, deputados e até para o governador paulista.


˝Adeus, Nasce a Nova São Paulo˝

A frase acima estava presente em cada um dos doze bondes que fizeram o trajeto de encerramento, como que se fosse um mantra do progresso despedindo-se do passado e do que entendiam como atraso. Entretanto na Europa e nos Estados Unidos os bondes seguiam operando sem críticas da população. A grande diferença entre São Paulo e estas demais cidades do mundo que mantiveram os bondes funcionando não era a idade do serviço, mas a qualidade deles.

Bonde trafegando pela Avenida São João em meados da década de 50

O sucateamento dos bondes paulistanos, os problemas crônicos e as paradas constantes deviam-se muito mais a falta de investimento do que qualquer outro motivo. Os ônibus elétricos, anunciados pela prefeitura como grandes substitutos e símbolos da modernidade logo sofreram com o envelhecimento da frota e o sucateamento dos carros, tal qual seus antecessores. Alguns trólebus dos anos 1960 circularam aos trancos e barrancos até o início do século 21, na gestão da prefeita Marta Suplicy.

Hoje discute-se muito se aquela decisão de retirada dos bondes foi a mais acertada. Ou se o prefeito Faria Lima sucumbiu ao lobby do diesel e dos fabricantes de carroceria (a principal delas, a CAIO tinha fábrica no bairro da Penha). Correta ou não a decisão até hoje inspira pensamentos prós e contras.

Aos paulistanos restaram as lembranças, boas e más.

Bonde paulistano na década de 1940

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